Cleiton Sousa, professor da Unilab entre os pesquisadores mais influentes do mundo, concede entrevista sobre trajetória de vida e carreira
Cleiton Sousa, professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), está entre os pesquisadores mais influentes da atualidade, conforme estudo publicado na revista científica Public Library of Science (Plos Biology).
Lotado no Instituto de Energias e Desenvolvimento Sustentável (Ieds), o professor e pesquisador nos concedeu entrevista em que conta sua trajetória desde o adolescente na periferia de Fortaleza encantado com a universidade até hoje, pós-doutor em Engenharia Química e com reconhecimento internacional. É uma história sobre não desistir e sobre apoio da mãe e irmãos, que encamparam seu sonho; sobre ter sido acolhido e olhado por muitos professores das universidades por onde passou; e ainda sobre políticas públicas para a educação e pesquisa.
Boa leitura e inspiração! Se após a entrevista quiser saber mais, leia também o memorial de Cleiton Sousa.
Unilab – Você teve uma trajetória difícil até conseguir pertencer ao mundo da universidade, como você disse. Conta pra gente um pouco como foi esse caminho, os percalços e superações na sua vida pessoal.
Cleiton Sousa – Eu sempre fui estudante de escola pública, desde a creche, nasci e me criei na periferia, no bairro Barroso, onde fiz o ensino fundamental, e no ensino médio estudei no Colégio Paulo Benevides, na Messejana. Eu não me via no mundo acadêmico porque não era minha realidade, minha realidade era de pobreza, violência, com todos os conflitos, problemas sociais e falta de oportunidade. Meus irmãos mais velhos – eu sou o caçula – já trabalhavam em supermercados do bairro, minha mãe trabalhava numa fábrica de castanhas aqui em Messejana e eu sou filho de pais separados, então foi muito difícil a nossa vida inicialmente, porque a gente não tinha recursos, não tinha por que estudar, minha mãe queria que a gente trabalhasse para ajudar em casa, porque essa era a nossa realidade, eram três crianças e ela sozinha para dar conta de tudo. Esse foi meu início, na escola pública antes a gente não tinha livro didático, só tinha aqueles cadernos de atividade, TV escola – eu assisti aula pela TV Escola do governo do Estado, da Prefeitura -, manual de apoio, era assim que eram minhas aulas e também, claro, pedia material emprestado, tinha uma tia minha que trabalhava numa casa de família, eles me traziam também apostilas dos colégios particulares, e saía pedindo livros, material pra todo mundo, até conseguir montar uma biblioteca e estudar. Eu não me via na universidade, eu queria arranjar um emprego para ajudar em casa, (ajudar) minha mãe e meus irmãos. E depois, quando eu cheguei no ensino médio, teve o cursinho, o PNV (Projeto Novo Vestibular), que ainda tem, no curso de História da UFC (Universidade Federal do Ceará). O aluno de escola pública paga 10% de um salário mínimo e tem que fazer uma prova de seleção, eu fiz e passei, aí então foi que eu conheci a universidade, eles foram lá no colégio, apresentaram o cursinho, disseram como era, as aulas eram à noite, tinha que comprar apostila, eu passei boa parte do tempo sem as apostilas, porque não tinha dinheiro, no final foi que eu comprei… Foi assim que eu conheci a universidade e me encantei realmente com aquele mundo e disse que era aquilo que eu queria, mas eu não sabia como. Meus irmãos me ajudavam pagando passagem do ônibus, eu pedia à minha mãe para eu terminar o terceiro ano e tentar o vestibular e ela concordou porque meus irmãos ajudavam. Tentei Medicina na UFC e não entrei, entrei para Química na Uece (Universidade Estadual do Ceará), foi assim que consegui pertencer ao mundo da universidade.
Unilab – E como cientista, como foi a sua trajetória até figurar na lista dos mais influentes do mundo?
Cleiton Sousa – Quando entrei na Uece, eu não tinha como me sustentar na universidade, já foi difícil minha mãe e meus irmãos manterem o cursinho à noite, pagar as passagens. Quando eu passei na Uece, minha mãe disse que não teria condições, mas meus irmãos continuaram me ajudando. Fui na Uece atrás de alguma bolsa, estágio, falei com os professores, disseram que eu era muito novo, tava no primeiro semestre, aí consegui (bolsa) lá na Prae (Pró-Reitoria de Políticas Estudantis) e era 120 reais, foi com esse dinheiro que eu me mantive na universidade, passava o dia lá, almoçava na universidade, batia cópia dos livros. Lá na Prae eu conheci um grupo de ciências, que era o Jangada da Ciência, e a professora Maria da Conceição Tavares Cavalcanti Liberato aceitava estudantes, eu entrei e a gente fazia aula prática nas feiras de ciências, ia pras escolas públicas, era bem legal.
Depois consegui uma bolsa de iniciação científica da Funcap (Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico), na Uece, com a professora Nadja Maria Sales de Vasconcelos, e aí fui me envolvendo. Ela que me explicou o que era um mestrado, um doutorado. Fui me envolvendo com a pesquisa e fui gostando, ganhei premiações na universidade, melhor trabalho de IC (iniciação científica) e comecei a participar de congressos graças à universidade e às políticas de manutenção dos estudantes na universidade; fui monitor de Química, semana universitária, onde tinha eventos eu ia e fui melhorando meu currículo.
Fui dois anos bolsista de IC e no terceiro ano fui monitor de Química e nunca deixei a pesquisa de lado, fui cada vez mais tomando gosto e acabei começando a virar um cientista daí. E quando terminei a graduação eu tinha montado um currículo para fazer mestrado e doutorado.
Passei em quatro programas e escolhi Engenharia Química, na UFC, onde eu queria ver esse novo mundo. Fui me encantando, gostei muito de lá, trabalhei com os professores Hosiberto Batista de Sant’Ana, Rílvia Saraiva de Santiago Aguiar e Luciana Rocha Barros Gonçalves. Trabalhei com um projeto sobre tecnológicos, com enzimas, que é o que eu trabalho até hoje. Terminei o mestrado com eles, o doutorado também fiz em Engenharia Química e no segundo ano a professora Luciana me perguntou se eu tinha vontade de ir para o estrangeiro, eu disse que tinha, queria fazer intercâmbio, mas nunca tive dinheiro nem para sair do estado – saí do estado, mas foi graças a congresso, dinheiro da universidade, essas coisas. Eu disse que tinha (interesse), mas não sabia falar outro idioma e não tinha dinheiro para fazer cursos nem viajar. Ela me mostrou um edital do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), me indicou o professor Roberto Fernández-Lafuente, na Espanha, entramos em contato com ele, mandamos o projeto, deu certo, consegui a bolsa graças ao Ciências sem Fronteiras, fui para a Espanha, lá eu aprendi mais rápido o idioma, também tive muitas dificuldades, mas fui muito bem recebido, não sofri preconceito, a alimentação é diferente, mas me adaptei rápido, e me encantei com esse novo mundo, um país de primeiro mundo onde tudo é desenvolvido, muitas oportunidades para todo mundo, sistema público funciona, transporte, segurança, isso me dava muita tranquilidade, facilitou a minha adaptação e com o professor Roberto fui trabalhando. No final do primeiro ano na Espanha ele me pediu pra ficar mais um ano, a gente pediu bolsa CNPq, deu certo, passei dois anos na Espanha e no final consegui o título de doutor por lá. Eu tenho dois títulos de doutorado: pela UFC, em Engenharia Química, e em Biociências Moleculares pela Universidade Autônoma de Madrid. Quando voltei da Espanha fiz o pós-doc na Engenharia Química, na área de enzimas, e foi quando, em 2015, apareceu o concurso da Unilab, fiz e passei.
Unilab – Fala um pouco sobre a sua pesquisa.
Cleiton Sousa – Sobre a pesquisa, trabalho com enzimas, as enzimas são biocatálises enzimáticos, elas aceleram as reações químicas, além disso, elas são capazes de sintetizar novos produtos de interesse comercial, aplicadas à área de energia, à área de alimentos, ambiental, fármacos, a diversas áreas. A gente investiga as enzimas, tenta melhorar as propriedades catalíticas, sua estabilidade, buscando resolver problemas que a sociedade tem nessas áreas. Essa é mais ou menos a minha linha de pesquisa desde o mestrado, que fiz na UFC, aprofundei na Espanha e hoje, junto com a professora Maria Cristiane Martins de Souza, do Ieds (Instituto de Engenharias e Desenvolvimento Sustentável), montamos um grupo de pesquisa que é o Genez – Grupo de Engenharia Enzimática – e tentamos desenvolver na Unilab essa área de pesquisa com os estudantes. Hoje temos um mestrado na Unilab em Energias e Ambiente, que investiga essa área, e também sou professor no Programa de Pós-Graduação em Química da UFC e na Pós-Graduação em Engenharia Química da UFC. Participo desses programas e trabalho com enzimas, buscando resolver problemas da sociedade e de interesse industrial nessas áreas de alimento, saúde, energias, meio ambiente e fármacos.
Unilab – O que você indicaria para quem quer trilhar um caminho de sucesso nos estudos e pesquisa?
Cleiton Sousa – Eu acho que tem que gostar daquilo que você pretende estudar, não adianta eu me envolver com atividades que eu não gosto, não tenho afinidade. Isso é a primeira coisa para começar em qualquer área. Gosto muito do que eu faço, gosto de ser professor, gosto de ser pesquisador, gosto de compartilhar conhecimentos, não tenho problema nenhum em compartilhar meus conhecimentos, aquilo que eu sei. Tento ajudar as pessoas na área da Educação. Então, a primeira indicação é que as pessoas procurem gostar daquilo que elas pretendem fazer. Depois, buscar as oportunidades. Realmente hoje está mais difícil, na universidade pública a gente tem um problema de infraestrutura, mas acho que como professor, como estudante, a gente pode buscar alternativas para resolver essa situação dentro da própria universidade pública, buscar políticas públicas, que elas sejam continuadas, que elas não sejam cortadas ou limitadas. As políticas possibilitam que mais pessoas tenham oportunidades, assim como eu tive. Graças às políticas públicas, não só à ajuda da minha família, não só porque eu gosto do que eu faço, mas também porque eu tive acesso a políticas públicas que me facilitaram isso, eu sempre fui bolsista na universidade, na graduação, no mestrado, no doutorado e pós-doutorado, isso foi graças a políticas públicas.
Gostaria de fazer um apelo para que essas políticas públicas fossem continuadas, para que elas fossem ampliadas para dar oportunidade a mais pessoas, independente de onde elas estejam, seja no interior, falando já agora um pouco da Unilab, ou nas grandes cidades. A interiorização dessas ações é de fundamental importância para os nossos estudantes galgarem essas oportunidades, seja aqui no nosso estado, município, país ou mesmo conseguir a oportunidade de vivenciar a experiência que eu tive nos outros países. São os pilares do que a gente precisa: apoio, oportunidade e gostar daquilo que a gente faz eu acho que é o segredo para ter sucesso. E trabalhar para realizar. Se você não fizer sua parte, tiver interesse, trabalhar para aquilo, eu acho que não vem.
O que é sucesso pra mim pode ser que não seja sucesso para outras pessoas, mas para mim é dar qualidade de vida para a minha família, é ter comida na mesa. Não enfrento essas dificuldades que já enfrentei, a gente não tinha condições de sustento, fui várias vezes do Barroso para Messejana, indo a pé para a escola, não tinha transporte escolar, a gente não tinha como pagar a passagem, não tinha merenda na escola, como é que a gente vai estudar com fome? Eu me sinto bem sucedido não pelos prêmios que eu tenho, por ganhar destaque no mundo como pesquisador, mas hoje por ter vencido toda aquela dificuldade com apoio da minha família e políticas públicas. Eu me orgulho mais da minha trajetória do que dos prêmios que eu tenho. Porque eu ganhei congresso internacional, falo três idiomas, conheci contatos internacionais, tive essa vivência, me orgulho muito da minha trajetória, sabe, isso para mim é ter sucesso. Onde eu tô depende do meu trabalho, então, se eu não trabalhar para estar lá e se eu não tiver ferramentas, se eu não tiver apoio, eu não vou conseguir. O trabalho é fundamental, faça sua parte; é estudar bastante, buscar se atualizar; buscar oportunidades dentro da universidade e fora, manter uma rede de contatos importante, de pessoas que possam te ajudar; ter gratidão pela ajuda de todos – sou muito grato pela ajuda de todos os professores que confiaram no meu trabalho porque eu acho que identificaram em mim um estudante com potencial, que gostava de fazer aquilo que tava fazendo, que buscava uma oportunidade, que ajudava as pessoas, e é isso que eu tento fazer com meus novos estudantes, ajudá-los e mostrar que sem o trabalho deles a gente não consegue nada.
Unilab – Como você, muitos estudantes estão agora sonhando com a universidade ou lutando para se manter nesse espaço. Que palavra você teria para eles?
Cleiton Sousa – Fico muito feliz em saber que tem muitos estudantes sonhando em entrar na universidade ou com outros sonhos, como ter um emprego estável. Além de se manter na universidade, que é difícil, eu gostaria que as políticas públicas fossem aumentadas, que as oportunidades fossem ainda maiores. Por exemplo, eu não tinha livros na universidade. Alimentação também era muito difícil. Hoje a gente tem uma educação pública melhor, com certeza, comparado a 15 anos atrás. A minha formação de ensino médio, fundamental, foi de muita dificuldade. Eu gostaria de dizer a esses estudantes que estão agora tentando uma vaga na universidade, às vésperas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que eles se dedicassem, aproveitassem a escola que eles têm. Hoje a escola pública tem ar-condicionado, merenda, livros pra todo mundo, tem professores qualificados, com doutorado, mestrado, pós-graduados e infraestrutura, eu acho que hoje melhorou muito. Já temos educação no interior… valorizar essas oportunidades, porque foram políticas conquistadas com muita dificuldade, há 15 anos não falávamos nisso. E claro, não estamos satisfeitos, precisamos continuar buscando novas possibilidades, ampliação desse acesso para que mais pessoas possam ser incluídas. E aqui eu faço um apelo para que os estudantes confiem nos seus sonhos, confiem nas suas oportunidades, busquem essas oportunidades e, acima de tudo, valorizem o que vocês têm hoje, porque foi conquistado com muita dificuldade. E mais: reconhecendo o que vocês têm hoje, vocês vão buscar e conseguir muito mais oportunidades. E os professores de vocês são a chave desse conhecimento, são a chave que vai abrir a porta para vocês conquistarem essas novas oportunidades, valorizem os professores, reconheçam o trabalho deles, porque eles que vão mostrar novos caminhos, assim como fizeram comigo e me ajudaram a me tornar hoje o professor, o pesquisador que tem renome internacional, graças ao trabalho de muitos professores e eu sou muito grato.
Unilab – Qual o sentimento hoje, com o reconhecimento do seu trabalho?
Cleiton Sousa – Eu me sinto muito feliz, privilegiado, lisonjeado com toda essa repercussão e reconhecimento internacional com o trabalho que venho desenvolvendo, mesmo com todas as dificuldades do trabalho na universidade pública a gente consegue ainda se destacar. Me sinto mais feliz ainda pela minha trajetória, por todo o apoio da minha família que me ajudou a chegar até aqui e todos os professores também. Espero que a minha trajetória sirva de exemplo, que possa incentivar outras pessoas que estão passando por dificuldades semelhantes às minhas, mas que podem, sim, acreditar nos seus sonhos, que podem, sim, conseguir, através de políticas públicas, através de oportunidades, de apoio, de ações públicas, que a gente consiga realizar nossos sonhos, alcançar essas oportunidades, e com o trabalho a gente consegue, sim, se destacar, como tá acontecendo comigo agora, todo esse reconhecimento.