Comunidade da Restinga, em Porto Alegre/RS, propõe a criação de Campus Unilab-Sul
No último dia 26 de maio, representantes do bairro da Restinga, localizado na periferia de Porto Alegre/RS, junto da deputada federal Daiana Santos (PCdoB/RS), reuniram-se com o reitor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Roque Albuquerque, e professores da instituição. A pauta foi a instalação de um campus da Unilab na comunidade de Restinga, reconhecida como local de resistência negra e periférica.
De acordo com a proposta, que partiu de moradores da Restinga, o novo campus ofertaria cursos da área da Saúde, uma lacuna na região: Enfermagem, Farmácia, Medicina, Odontologia e Psicologia, e já há a indicação de um terreno adequado para sua instalação.
Participam da Comissão Organizadora professores e pesquisadores de diversas instituições, como Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade Católica de Pelotas (UCPel), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), além da Unilab.
O novo campus traria “promoção de conhecimento e formação de profissionais de Saúde Pública com foco nas necessidades que afetam diretamente a população periférica e outros setores tratados até o momento como ‘minorias’, com a ampliação de oferta de serviços destinadas a estes setores e o desenvolvimento de conhecimentos alinhados às perspectivas epistemológicas das humanidades africanas que distingue o projeto pedagógico da Unilab”, destaca o projeto.
Saúde das populações minorizadas
O projeto enfoca as necessidades específicas de saúde de populações que são maioria numérica, porém, não recebem a devida atenção, sendo referidas atualmente como minorizadas ou minimizadas. Seriam elas, no âmbito do projeto, as populações negras, indígenas e LGBTQIAP+.
Mesmo com a melhoria das iniciativas de acesso à saúde após a Constituição de 1988, o princípio da universalidade acaba por desconsiderar as especificidades da população negra, por exemplo, que sofre com a discriminação racial.
“No ano de 2008, este segmento da população apresentou maior percentual de não atendimento no serviço de saúde e menor taxa de cobertura do sistema de saúde (73,1% para os homens e 76,3% para as mulheres, enquanto entre homens e mulheres brancas esse percentual foi de 85,1% e 86,7%, respectivamente), o que indica a dificuldade existente para a plena e efetiva universalização dos serviços de atendimento quando se leva em conta o recorte racial”, argumentam os autores do projeto.
Formação elitizada
Soma-se a estas dificuldades uma formação, nos cursos em Saúde oferecidos no Brasil, bastante elitizada, voltada muitas vezes para jovens já privilegiados socialmente. “(…) Quando se observa os cursos chamados de
‘elite’ (e aqui cabe ressaltar que muitos são da área da Saúde), pouco se observa a presença de jovens oriundos dessa parcela da população”, destaca o projeto do novo campus, reforçando a necessidade de uma formação voltada para as populações minorizadas, que poderia ser provida por uma instituição como a Unilab.
Restinga
Marcada pela presença negra desde sua fundação, em 1772, a Porto Alegre do início do século XX concentrava boa parte dessa população em seu centro e arredores. A partir de um longo processo de gentrificação da área central da cidade, ao longo da segunda metade dos anos 1960 os moradores dessa região começaram a ser removidos forçadamente para o extremo sul da cidade, distante 26 km dali: a Restinga, que, à época, sem infraestrutura alguma, sequer contava com transporte público adequado ou eletricidade e saneamento.
Ao longo dos seus quase 55 anos de existência, no entanto, a Restinga se desenvolveu exponencialmente a partir da força e mobilização
da própria comunidade. O bairro possui 38,56 km², que equivale a 8,10% da área total do município de Porto Alegre, e é habitado por cerca de 60 mil pessoas. No quesito raça/cor, 30,5% se autodeclaram negros, acima da média de Porto Alegre (20,2%).
Amplo apoio
O reitor da Unilab, Roque Albuquerque, foi procurado pela deputada Daiana dos Santos e recebeu uma carta de intenção e o projeto que solicita a abertura do diálogo acerca da Unilab-Sul. “Trata-se de um grande desafio. Como tudo que envolve pessoas minimizadas, não faltarão vozes contrárias e desculpas como ‘É preciso consolidar A para que B inicie’, mas não é assim que nós vencemos batalhas, isso não será um fator intimidador para realizarmos esse sonho. A Restinga é marcada por cultura, por pessoas que realmente querem ver a transformação da realidade e eu não acredito que outra universidade teria no seu DNA as qualificações que a Unilab tem, com todo respeito às demais”, enfatizou.
Sérgio Edgar Campos de Matos, professor da Rede Pública do RS e doutorando em Fisiologia/UFRS, foi um dos articuladores do projeto. “Vários professores me perguntavam o que que eu ia fazer pelos meus, então via que tem muita necessidade de médicos e enfermeiras. É um projeto de grande valor criar profissionais na área de Saúde que possam atuar atendendo principalmente os seus, para não ficarmos dependendo de determinados médicos, passando de 3 a 5 horas à espera num posto de saúde”, conta.
A deputada Daiana Santos também destaca a identificação com o projeto a partir de sua origem periférica. “Recebi esse chamado pois eu acredito muito – é o que me move politicamente – no desenvolvimento dessas periferias, já que eu venho desse lugar. Olhar para esse lugar não é uma relação de troca ou de barganha política, é uma relação de investimento pensando no desenvolvimento humano”, afirmou.
Os professores Pedro Aleyva e Bas’Ilele Malomalo, da Unilab, têm participado da articulação. “Desde o início houve um diálogo muito profícuo entre as lideranças da comunidade, as professoras, os políticos e a Reitoria. A Restinga merece um campus da Unilab para romper com a distância entre África e a população negra e para formar cientificamente a juventude e assim poder ingressar no mundo do trabalho de forma qualificada”, destacou Pedro Leyva.
Bas’Ilele Malomalo chama a atenção para esperança investida no projeto. “Lembro-me desde as primeiras reuniões e até esse momento de construção desse nobre projeto, os brilhos nos olhos, as vozes potentes cheias de esperança de ver, naquele território preto, nascer o novo campus de uma universidade internacional e pública. Unilab-Sul comporta possibilidade de receber não somente jovens africanos provenientes dos Palop, como igualmente aqueles que migraram para as regiões do Sul em busca de trabalho”, disse.