Emoção, alegria e sentimento de justiça social marcam a primeira colação de grau da Unilab
Uma noite de emoção e primeiras vezes. Primeira colação de grau da Unilab, uma universidade pública ainda jovem, cravada no Maciço de Baturité, no interior do Ceará. Primeira graduação de 57 estudantes da turma “Luís Inácio Lula da Silva” e a primeira graduação de muitas famílias. Assim foi a noite da última sexta-feira (12), a formatura do curso de Bacharelado em Humanidades (BHU), realizada no Campus das Auroras, entre os municípios de Redenção e Acarape/CE.
“Eu sou o primeiro da minha família a concluir o ensino superior” foi a frase quase unânime, mostrando o lugar que a Unilab ocupa na luta por uma sociedade em que os historicamente excluídos possam ter vez, construir uma nova história, contá-la a partir de seu lugar social.
Outras expressões recorrentes na noite foram “gratidão”, “oportunidade” e “orgulho”, presentes em um momento de felicidade partilhado com familiares, colegas, professores, técnico-administrativos e colaboradores da Unilab, que lotavam o Campus das Auroras ao som da Orquestra Eleazar de Carvalho.
Carlos Santos, de 26 anos, cruzou o Atlântico para estudar na universidade. Vindo de Cabo Verde, o estudante, um pouco nervoso, tinha as mãos frias, mas o olhar pleno de esperança. “Hoje estou esperando o melhor. Suspiro de alívio, de tranquilidade, de ter conseguido a primeira etapa, que era fazer o BHU. Mas não posso falar disso sem falar da minha família, da minha origem, a gente tem que falar de onde vem. Eu venho de Cabo Verde, de uma família humilde, que não tem tradição de escolaridade. Basicamente sou o primeiro a ter um curso, e isso é motivo de orgulho para mim mesmo e minha família. Hoje é um momento de agradecer a todos que contribuíram para esse dia, um dia tão esperado”, afirmou.
Mãe da concludente Wilquelina Ponciano, a auxiliar de serviços gerais, Luísa Maria Ponciano, era só alegria. “Estou muito feliz de ela estar se formando. Fico muito agradecida, primeiramente a Deus e depois a ela, que se interessou. Que ela seja muito feliz, que Deus ilumine mais os passos dela e que siga em frente”, disse. Já a estudante, primeira da família a concluir o ensino superior, descreveu o momento como “um privilégio e emoção muito grande”. Agora, cursará a terminalidade de Sociologia. A família mora em Guaiúba, município da Região Metropolitana de Fortaleza.
Oriundo do Maciço de Baturité, município de Acarape, o jovem Walef Santos, de 20 anos, tem a certeza de que a formatura é só o primeiro passo de um longo caminho de estudos que trilhará. “É um sentimento de muita felicidade, estou realizando um grande sonho da minha vida, que é me formar. Foi muito difícil o trajeto, mas deu certo e vou continuar. Eu sou o primeiro da minha família a ter ensino superior e espero que meus irmãos me tenham como exemplo”, contou.
Aos 35 anos, Carlene Barbosa vivia uma alegria que não cabia em si e era extravasada nas muitas fotos ao lado de parentes e amigos. Natural do município de Iguatu, na região Centro-Sul do Ceará, mudou-se para Redenção, onde mora a filha, a fim de quebrar o destino que parecia já selado. “O curso foi uma oportunidade única e é uma alegria imensa. O que a gente espera, daqui para frente, é continuar os estudos, continuar na Unilab, e daqui a três anos mais uma formação, do segundo ciclo do curso”, declarou.
Uma universidade, um curso e uma cerimônia diferentes
Homenageado como patrono externo da turma e emprestando o nome a ela, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva não pôde acompanhar a cerimônia, contudo, enviou carta de saudação à reitora da Unilab e aos formandos. Em destaque na mensagem, o papel diferente desta universidade que surge como um projeto de, ao mesmo tempo, interiorização e internacionalização do saber e de reparação aos povos africanos que aqui sofreram com a escravatura.
“A Unilab nasceu de um sonho e se transformou numa extraordinária realidade. Queríamos que essa universidade fosse um humilde gesto de agradecimento a todos aqueles que, partindo da África contra sua vontade, submetidos a essa brutal forma de dominação humana que é a escravatura, chegaram ao Brasil e contribuíram para fazer desta uma nação livre e soberana”, sublinhou.
Lula disse ainda que a universidade expressa uma decisão política do povo brasileiro, de seu governo e da atual gestão da presidenta Dilma Rousseff em apostar na integração com a África. “Apostar, confiar e acreditar na centralidade estratégica que tem para o Brasil a integração econômica, social, cultural e educacional com os países africanos, particularmente com aqueles que compartilhamos a mesma língua e uma mesma história de lutas”, ressaltou.
Reforçando o sentido político da Unilab, a reitora, Nilma Lino Gomes, uniu sua própria trajetória à dos formandos por um ponto em comum: a origem social humilde. “Muitos dos nossos bacharéis aqui formados representam a primeira geração a cursar o ensino superior na sua família. E para nós que viemos de famílias pobres, com trajetórias de luta por direitos e por inserção social, a conclusão de uma graduação significa muito. Ela representa a conquista de um direito. Para as famílias pobres do Brasil, continente africano e Timor-Leste – e eu venho de uma família com estas características –, cursar o ensino superior não é simplesmente a ordem natural das coisas, o caminho posterior ao ensino médio. Significa a ruptura com uma história de desigualdade e exclusão. Significa a nossa presença em um espaço e tempo que não foi pensado para os pobres e coletivos sociais diversos, mas, sim, para as elites”, frisou.
A reitora destacou ainda o quão desafiador é o projeto da Unilab e desejou que sua proposta se volte para formar sujeitos críticos. “A nossa aposta é que o projeto acadêmico da Unilab seja um projeto educativo e acadêmico emancipatório que, nos dizeres de Boaventura de Sousa Santos, seja capaz de formar sujeitos e mentes inconformistas e rebeldes diante da injustiça, das desigualdades, do racismo e de toda forma de discriminação”, sublinhou.
Secretário de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), presidente da Comissão de Implantação da Unilab e primeiro reitor da instituição, Paulo Speller deixou a mensagem de acreditar nos sonhos. “Fui reitor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), participei de dezenas de colações de grau, mas nunca de uma cerimônia tão emocionante. Quando a gente olha para essas instalações e se lembra da salinha que tínhamos na prefeitura de Redenção, quanta diferença! Mas ainda temos muitas fronteiras para ultrapassar. Reivindiquem, demandem, sonhem sempre. Mostrem como vocês são capazes, no dia a dia, apontando caminhos que começam a ser exemplo para outras universidades”, afirmou.
Ecoando as vozes de seus colegas, a oradora e diretora da Comissão de Formatura, Valdélia Freitas, aos 42 anos, precisou esperar 20 anos após a conclusão do Ensino Médio para ter acesso ao ensino superior. “Conquistei na Unilab a oportunidade de ter um diploma, uma profissão. E tantas outras histórias poderiam e mereceriam ser contadas aqui. Na Unilab, aprendemos a ser mais humanos e solidários. Aprendemos que o mundo é formado por várias e diferentes culturas. Que a igualdade não se constrói na semelhança, na repetição do mesmo, mas na construção de pontes que interliguem diferentes línguas, filiações de gênero, etnias, culturas. Filhos de trabalhadores, negros, índios viam as portas da universidade fechadas, disponíveis só para as elites, nas capitais. A universidade pública, que é do povo, tem o povo agora em suas cadeiras. Filhos e filhas de quem não poderia cursar o nível superior. É possível ver nos olhos de cada um a vitória”, ressaltou.
A turma homenageou ainda o professor do Instituto de Letras e Humanidades (IHL), Américo Souza, como patrono interno, e o coordenador do BHU, Maurílio Machado, paraninfo. Em discursos emocionados, os professores enfocaram o papel da Unilab na transformação social em curso no Brasil há mais de uma década, comemoraram o sucesso do curso, relembraram momentos engraçados com os alunos e os aconselharam para a vida. “Ouvimos que a proposta da Unilab era grandiosa demais, inexequível, que o BHU não formava para o mercado, e não formamos para o mercado, formamos para a vida”, destacou Américo. Já o professor Maurílio destacou a luta cotidiana de todos para o sucesso do curso BHU. “Que o curso aconteça, flua e leve ao curso da vida”, desejou.
Diretora do IHL, Monalisa Valente destacou a importância do momento para todos que constroem a Unilab, relembrando desde os primeiros momentos de estudos para a implantação do curso. “Para uma universidade diferente, um curso diferente. Interiorização e internacionalização. Os estudantes formam-se com todos os louros e abrem caminho para outras turmas. Vivem o desassossego que permite sair da zona de conforto e realizar algo. Sonham grandemente, para citar Fernando Pessoa”, disse.
Vice-reitor da Unilab e professor do IHL, Fernando Afonso Ferreira também esteve nos momentos iniciais do curso, ainda no estudo para sua implantação. Em sua fala, ele se remeteu ao recente processo de reconhecimento do curso, contudo afirmou que o maior reconhecimento vem com a formatura dos estudantes. “O importante é sermos reconhecidos pelos formandos que aqui estão. Essa é a maior recompensa que já recebi nessa casa”, afirmou.
Compuseram a mesa de cerimônia a reitora da Unilab, Nilma Lino Gomes; o vice-reitor, Fernando Afonso Ferreira; o secretário de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), Paulo Speller; a secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi/MEC) Macaé Maria dos Santos; a pró-reitora de Graduação, Andréa Linard; a diretora do IHL, Monalisa Valente; a diretora do Campus de Crateús da Universidade Federal do Ceará (UFC) e primeira vice-reitora da Unilab, Maria Elias Soares; o coordenador do curso BHU, Maurílio Machado; e o professor do IHL, Américo Souza.
No evento, estavam presentes ainda as comitivas da Universidade Lúrio (UniLúrio), de Moçambique, e também da Universidade Pedagógica de Moçambique, bem como os reitores convidados Jorge Ferrão, da UniLúrio; Josué Modesto, da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila); e Pedro Gomes, da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).
Os hinos de todos os países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) foram executados: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.
Ao final da cerimônia, houve apresentação do grupo de rap da Unilab, criado no início de 2014, e formado por estudantes de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.