Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira
Universidade Brasileira alinhada à integração com os países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)

Licenciatura em Educação Escolar Quilombola inicia curso no campus dos Malês, com 30 estudantes quilombolas

Data de publicação  07/02/2025, 12:04
Postagem Atualizada há 2 semanas
Saltar para o conteúdo da postagem

Um novo capítulo está sendo (re)escrito na história do campus dos Malês da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) e também de 30 estudantes quilombolas, com o início do curso de Licenciatura em Educação Escolar Quilombola, cuja aula inaugural para a primeira turma aconteceu na última quarta-feira (05/02). Os discentes pertencem a três comunidades quilombolas certificadas de São Francisco do Conde: Monte Recôncavo, Ilha do Paty e Dom João. O curso integra o Programa da Capes/Ministério da Educação (MEC) Parfor Equidade.

“Esse curso é muito importante, inclusive para levar os temas da nossa história, da nossa vivência, da importância de ser quilombola. E para aprimorar cada dia mais com as crianças, trazendo essa experiência que a gente teve com nossos antepassados. É uma oportunidade que eu abracei”, conta a estudante Edna Lopes, que integra a primeira turma do curso de Licenciatura em Educação Escolar Quilombola. Ela relata ainda que é um dos membros mais jovens da família, pertencente ao quilombo Dom João, e conta também o significado do curso na sua trajetória. “É trazer os antepassados, meus bisavós que eram quilombolas e que nasceram e foram criados ali [no quilombo Dom João]. Estou voltando na história, revivendo um pouco de cada momento deles, então está sendo importante e especial”, coloca Lopes.

A importância de valorizar a história, além cultura, saberes e fazeres quilombolas, também foi destacada pelas discentes do quilombo Monte Recôncavo. “Vi esse curso como uma porta que está se abrindo para eu ter conhecimento e poder mostrar a importância de ser quilombola. Sonho em trabalhar na área de Educação. Quero que a cultura do meu quilombo permaneça e continue, que não fique esquecida. Temos lá muitas culturas, temos capoeira, a charanga e samba de roda”, aponta a estudante Regina Jorge do Carmo. “Ser quilombola é estar nas raízes da terra, onde aprendemos muitas coisas, como fazer azeite, farinha de mandioca, mariscar. Tudo isso a gente faz lá. Quero aprender e também passar a importância de ser quilombola, das nossas raízes e de não se perder nossas raízes”, afirma a estudante Renilza Ramos Praxedes.

Educação Escolar Quilombola
O curso de Licenciatura Educação Escolar Quilombola – 1ª Licenciatura é ofertado no âmbito do Programa Nacional de Fomento à Equidade na Formação de Professores da Educação Básica – Parfor Equidade e tem como objetivo formar profissionais para o exercício docente em escolas de comunidades quilombolas ou que atendem quilombolas em São Francisco do Conde (BA). A licenciatura tem tempo de duração de oito semestres, com tempo de integralização de quatro a cinco anos.

A professora e coordenadora do curso na Unilab, Zelinda Barros, contextualiza que esse curso é fruto de uma luta de muitas décadas e de uma demanda histórica dos movimentos e comunidades quilombolas, por uma educação específica. “As escolas quilombolas são caracterizadas pela presença de docentes de outras localidades. Então agora você tem a possibilidade de formar pessoas da comunidade para atuarem na área. É muito interessante. É uma possibilidade de mobilizar os conhecimentos da própria comunidade [quilombola] nos processos formativos, porque muito do currículo dessas escolas era fundamentado e estruturado nos conhecimentos alheios às comunidades”, explica a docente e quilombola de São Tiago do Iguape (Cachoeira/BA).

A educação é fundamental nesse sentido de fazer com que a gente se perceba a partir de um outro lugar e valorizando nossas existências como quilombolas, trazendo à tona todo esse conhecimento que é produzido por nós, nas nossas comunidades. E colocar esses conhecimentos com o que vem sendo produzido nas universidades é muito importante, porque a partir desse diálogo a gente tem condições de construir novas possibilidades epistêmicas”, explica Zelinda Barros.

Ela aponta, ainda, que o curso foi pensado no contexto de uma educação em que a própria comunidade já ministra nos seus processos formativos informais, a exemplo da oralidade.A gente muda a educação realmente a partir da estrutura, do modo como ela é pensada e ofertada, não simplesmente reproduzindo modelo com outros conteúdos, porque não se trata de abordagem de conteúdos diferentes, é mudar a forma como a educação é pensada e a forma como a educação é ministrada”, afirma a docente.

Docentes quilombolas

Além da professora Zelinda Barros, o curso de Licenciatura em Educação Escolar Quilombola, no campus dos Malês, também será ministrado por outras professoras oriundas de comunidades quilombolas e também egressas da Unilab. Entre elas, Naiane Jesus Pinto, graduada em Ciências Sociais, quilombola da comunidade Dom João e uma das primeiras estudantes de São Francisco do Conde a ingressar na Unilab. “Hoje pra gente é um dia histórico de muita felicidade, de poder estar ao lado dos professores que me formaram e agora ser colega dos professores. E também contribuir com a formação de outros professores vai ser de uma grandiosidade que não cabe no peito. Eu costumo dizer que as comunidades sempre foram minha sala de aula”, aponta Naiane, que irá ministrar a disciplina “Educação Quilombola”, juntamente com outra egressa dona Joca.

Atualmente Naiane é doutoranda pela UFBA e pesquisadora sobre políticas públicas educacionais voltadas para aplicabilidade na educação escolar quilombola. Ela aponta que esse novo curso faz parte de um processo fortalecedor, em um contexto em que há políticas de desarticulação da identidade quilombola. “Essa licenciatura veio a calhar para mostrar a potencialidade das comunidades em produzir seu próprio conhecimento, trazendo os saberes e fazeres para o currículo”, explica.

Nesse sentido, o docente do curso e quilombola do Monte Recôncavo Rubens Celestino aponta também para o potencial das comunidades quilombolas de São Francisco do Conde na produção de conhecimento e saberes. “A gente precisa construir uma cidade que respeita nosso modo de ser, que não é igual. Nós precisamos nos apropriar desse espaço [da universidade], de tudo que esse espaço tem a nos oferecer, mas sem perder de vista os saberes que a gente produz nas nossas comunidades”, disse Celestino, na sua fala na mesa de abertura da aula inaugural.

Sonhos partilhados
Na mesa de abertura da aula inaugural, a diretora do campus dos Malês Mírian Reis lembrou que o novo curso – que, segundo aponta, traz “espírito de confluência de saberes” – converge com os princípios que regem a Unilab. “É uma universidade que se baseia nos princípios da solidariedade entre os povos e que tem como sua premissa combater toda forma de desigualdade social, racial e de injustiças para construir uma sociedade cada vez melhor”, afirmou. Ela também agradeceu aos novos estudantes pela oportunidade de partilharem o sonho de uma universidade. “Vocês depositam em nós a confiança de podermos construir esse sonho junto com vocês. Por isso, obrigada por nos ajudar a construir esse sonho de uma universidade na qual acreditamos também”, disse a diretora, que também será docente do curso de Licenciatura em Educação Escolar Quilombola.

Durante a aula inaugural, a professora Zelinda Barros trouxe um contexto histórico de políticas públicas e movimentos sociais, que contribuíram na luta por garantia de direitos às comunidades quilombolas. Ela também explicou aos novos discentes sobre o funcionamento do curso, do colegiado, do cronograma e das disciplinas. “Vai ter um tempo universidade, com professores, e um tempo comunidade, onde realizaremos atividades relacionadas à educação, para que esses conhecimentos produzidos nesses encontros possam ser enriquecidos por experiências locais nas comunidades”, disse.

Também participaram na mesa de abertura da mesa inaugural, além da diretora Mírian Reis e da docente Zelinda Barros, o professor Rubens Celestino; a professora Eliane Costa, que também integra o corpo docente do curso; e a diretora do Instituto de Humanidades e Letras do campus dos Malês (IHLM) Eliane Gonçalves.

*Matéria feita com colaboração da OBTV/TV Malês. Crédito das fotos da aula inaugural – estudante da Unilab José Filipe
Categorias
Palavras-chave

CONTEÚDO RELACIONADO