Semana da África enfoca diáspora africana, universidade e enfrentamento à covid-19
No último dia de programação da VII Semana da África na Bahia (sexta-feira, 29), realizada on-line, estiveram em pauta diáspora africana, universidade e enfrentamento à Covid-19. Foram seis palestras via google meet envolvendo pesquisadores do Brasil, Equador e Guiné-Bissau.
“Universidade e ações afirmativas: outros caminhos para a sociedade pós-Covid” foi o tema abordado pela professora e pesquisadora Amélia Maraux, pró-reitora de Ações Afirmativas da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e articuladora nacional da Liga Brasileira de Lésbicas/Brasil.
Maraux traçou um panorama das décadas de 1980 e 1990 como momento de reorganização dos movimentos sociais, movimentos por direito a educação, entre outros. “A universidade floresce com pesquisas nas áreas de Educação e Ciências Sociais. Tudo isso vai culminar na implementação da Lei de Ensino de África [Lei 10.639/03] no começo dos anos 2000. O Direito que define o marco identitário, as ações afirmativas”, pontua.
A pesquisadora explica como o processo de escolarização básica excluía um quantitativo enorme de população negra e no ensino superior o fosso era maior ainda. A partir daí, nas décadas de 1980 e 1990 houve a criação de universidades particulares, enquanto as públicas ficavam reservadas às elites. Em contraposição a isso, os movimentos negros se articularam para que o Brasil fosse signatário de convenções internacionais antirracismo e também criaram cursinhos para que a população negra ingressasse nas universidades e pautasse a questão racial nesse espaço.
“Uma universidade como a Uneb, em que mais de 70% dos estudantes são negros e a maioria são mulheres e isso também ocorre com os professores e funcionários… A Uneb é racializada mesmo e isso faz a diferença, inclusive para que a gente pudesse, em 2002, ter a proposta das cotas raciais no Consuni, observando o percurso educacional na escola pública e também a classe social”, relembra.
A professora avalia ainda que 2020 será um ano de mudança para as ações afirmativas no Brasil. “As políticas afirmativas estão sempre ameaçadas, assim como a universidade pública. Esse momento de pandemia torna a nossa existência muito mais radical. Aumentou a violência contra as mulheres, contra a juventude negra. A pandemia mata e o Estado mata também. Não falo para a gente se aterrorizar. Falo porque as coisas estão aqui e nós estamos construindo a resistência em nossos espaços. Estar na Unilab, na Uneb e nos diversos grupos de pesquisa é uma resistência”, arremata.
Ancestralidade como resistência
O pesquisador equatoriano Edizon León se propôs a pensar, junto com os participantes, a ancestralidade e a diáspora no contexto de conflitos existenciais. Doutor em Estudos Culturais Latinoamericanos, León chamou a atenção para os processos políticos, identitários e diaspóricos dos povos afrodescendentes e originários da América Latina e para a especificidade deste momento de pandemia.
“O sistema capitalista é a disposição legal de viver e de morrer: alguém vale mais que o outro e os que não têm valor podem ser descartados. A partir dessa lógica, podemos entender a política de alguns governos, como o do Brasil”, reforça.
Norteado por nomes como Stuart Hall e Zapatta Olivella, León defende que a ancestralidade deve se tornar uma estratégia na construção de um pensamento e posicionamento político. “Reconstruir as historias dos laços espirituais que foram ocultados; viver culturalmente e ‘reexistir’. Diáspora é tanto dispersão como reagrupamento. A ancestralidade é uma forma de criar consciência do que se é. Diáspora permite conexão imaginária com a África, uma memória ancestral que gera as suas suficiências íntimas, um recontar do passado em seu processo de reconstrução identitária”, sublinhou. Justamente por esta importância da ancestralidade para a resistência, os povos opressores tentaram destruir os conhecimentos e religiões das comunidades afrodescendentes, como teria feito a igreja católica no caribe, citou.
Sobre a Semana da África na Bahia
Há 6 anos a Associação de Estudantes e Amigos da África (Asea) vem realizando semana da África na Bahia em algumas cidades do recôncavo, comumente na cidade de São Francisco do Conde, onde fica o Campus dos Malês/Unilab. Neste ano, o evento contou com o apoio e a participação da Universidade de Cabo Verde/Faculdade de Ciências Sociais, Humanas e Artes, representada pela professora Eufémia Vicente Rocha; Grupo de Pesquisa e Extensão NYAMBA, representado pela professora Zelinda dos Santos Barros; Pibid/Sociologia Unilab; Grupo de Pesquisa TUMOXI FIRKIDJA, coordenado pela professora Rutte Tavares (Unilab); Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Etnomatemática (GIEPEm), coordenado pela professora Eliane Costa; Núcleo de promoção da Igualdade Racial (NPIR); Grupo de Pesquisa África-Brasil: Produção de conhecimento, sociedade civil, desenvolvimento e cidadania global. coordenado pelo professor Bas’Ilele Malomalo (Unilab); Pró-Reitoria de Extensão, Arte e Cultura (Proex/Unilab) e a Universidade Estadual da Bahia (Uneb/ Campus XIV), por meio do programa de pós-graduação – Mestrado Profissional em Educação e Diversidade com o Grupo de Pesquisa em Formação, Experiência e Linguagens (MPED).
Devido à pandemia do novo Coronavírus, e em cumprimento às orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), a semana foi realizada por meio das mídias sociais da Asea: @aseaunilabmales, no Instagram, e Asea, no Facebook, contando com outras mídias e plataformas alternativas.