Valorização e o reconhecimento aos conhecimentos tradicionais marcaram a entrega do título de Notório Saber em Artes, Ofícios e Cosmologias Tradicionais à Mestra Maria do Socorro Castro
A valorização e o reconhecimento aos conhecimentos tradicionais marcaram a entrega inédita do título de Notório Saber em Artes, Ofícios e Cosmologias Tradicionais à Mestra Maria do Socorro Fernandes Castro, liderança do Quilombo Serra do Evaristo, de Baturité/CE, pela reitoria da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), na última terça-feira (19).
Logo de início à cerimônia, foi realizada a acolhida no pátio do auditório do Campus da Liberdade com um café da manhã, repleto de itens da gastronomia regional, embalados pela apresentação da Banda Cabaçal Palmares, integrada pelos estudantes da Unilab.





Banda Cabaçal Palmares – discentes da Unilab
A mesa do evento foi composta por Roque Albuquerque, reitor da Unilab, Bruno Leonardo, representante do Ministério da Cultura (MinC); Ricardo Ossagô, pró-reitor de Extensão, Arte e Cultura (Proex); Nixon Gleyson Melo de Araújo, coordenador de Arte e Cultura/Proex; Luís Tomás Domingo, coordenador do curso de Antropologia e a homenageada, mestra Maria do Socorro Castro.




Foto: (esquerda para direita) Luís Domingo; Bruno Leonardo; Maria do Socorro, Roque Albuquerque, Ricardo Ossagô; Nixon Araújo.
O professor e coordenador do curso de Antropologia, vinculado ao Instituto de Humanidades (IH) no Ceará, Luís Tomás Domingo esclareceu que a realização daquela cerimônia presencial foi fruto da Resolução do Consepe nº 271, que pode concede o título de Notório Saber em Artes, Ofícios e Cosmologias Tradicionais, a todas aquelas pessoas que não tem o título acadêmico de graduação ou pós-graduação, desde que comprovem a destacada experiência e atuação, pelo menos em uma das linguagens ou áreas dos saberes, de culturas indígenas, quilombolas, de comunidades de terreiro, de comunidades agrícolas e várias outras áreas do saber, extensível também à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que compõe a Unilab, em especial os países africanos. E, foi o colegiado do curso de bacharelado da Antropologia que tomou a iniciativa de constituir um dossiê para que a Unilab pleiteasse, junto ao MinC, a concessão do referido título.
Como destacou Luís Tomás: “Estamos celebrando um momento especial para a Unilab”. (…) essa oportunidade é um desafio acadêmico que a universidade está trazendo, porque os nossos conhecimentos sempre fizeram bases epistemológicas, em termos de produção do saber, que sempre veio do Ocidente. E, nesta ideia, temos que pensar que os conhecimentos também têm que partir da realidade local. A realidade que a Unilab acredita. A realidade internacional. Mas, a realidade do interior das nossas nações”.
Os conhecimentos não se produzem só na academia, mas também por pessoas que estão nas comunidades que sabem, sabem muito bem do que eles fazem, e têm ajudado o crescimento das pessoas. É uma vitória da Academia; da Unilab; da Ciência. A Ciência do futuro tem que se juntar com a realidade do exterior, mas também a própria realidade, contexto socioeconômico e social – cultural” – Luís Tomás Domingo, moçambicano, pós-doutor em Antropologia e Sociologia da Política.

Luís Domingo, coordenador de Antropologia 
Nixon Gleyson Araújo, coordenador CAC/Proex 
Ricardo Ossagô, pró-reitor Proex 
Bruno Leonardo, representante do MinC
Bruno Leonardo, representante do MinC, destacou que as políticas do ministério precisam chegar às pessoas. E, também, conseguir chegar às cidades, como chegou à Redenção/CE. “Essa é uma tentativa, agora com as orientações da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), que vai para o Ciclo 2“, esclareceu Bruno sobre a política de repassar da União aos estados e municípios, visando o fomento contínuo da cultura.
Para o artesão e coordenador de Arte e Cultura/Proex, Nixon Gleyson Melo de Araújo, faz-se necessário criar parcerias e aprofundar ainda mais, para que os mestres e mestras tenham o seu lugar devidamente reconhecido. “Este é um título não é apenas uma homenagem, ele representa a abertura da Universidade para a diversidade de vozes e saberes que constituem a riqueza do nosso povo. É um gesto que amplia a Universidade, tornando-a mais justa, mais plural e mais realizada em nossa realidade. (…) Ele é a afirmação de que o verdadeiro conhecimento se mede pela capacidade de transformar vidas, de educar pela experiência e semear dignidade”.
Nixou acrescentou dizendo que, reconhecer uma mestra popular, detentora de “notório saber” é afirmar que o conhecimento não se limita às páginas dos livros ou às salas de aulas normais. Ele também floresce nas comunidades, nos quilombos, nas rezas, nos campos, nos ofícios e na vida compartilhada. É o saber transmitido pela palavra, pelo gesto, pelo cuidado, pela prática diária com sua comunidade.
“Entregar este título hoje, entre vários outros que temos para fazer esta homenagem, é muito simbólico. E, entregar para uma mulher, é muito mais. Mostra que estas pessoas, além do conhecimento formal (sala de aula, universidade) têm também a sabedoria ancestral que conversam no dia a dia, no seu território”, afirmou o pró-reitor Proex, Ricardo Ossagô. guineense e pró-reitor da Proex/Unilab.

Para Roque Albuquerque, a Unilab é uma universidade inclusiva, que tem uma diversidade, um universo único e unido, Sendo composta de africanos diaspóricos, brasileiros nativos e de outras localidades. Esclareceu que, ela foi criada, há 15 anos, como uma universidade de reparação histórica.
“Nessa reparação histórica, temos duas coisas que precisamos: as ações afirmativas, que contemplam os estudantes indígenas, quilombolas, povos de comunidades excluídas, incluídas a comunidade LGBT+) e, agora, o Notório Saber – que reconhece outras sabedorias, outras cosmologias tradicionais”, esclareceu o reitor da Unilab.
Quanto a ação de entrega inédita do título de Notório Saber em Artes, Ofícios e Cosmologias Tradicionais, Roque reafirmou a importância deste reconhecimento: “(…) a nós, não podemos deter o conhecimento, e nem ter a arrogância de que o conhecimento só é verdadeiro se passar por nós”. Complementou, afirmando que a ação da entrega foi marcante por ser a primeira ação concreta de ações afirmativas para não aluno, mas para reconhecer que existe artes, cosmologias tradicionais e cultura que precisam deste reconhecimento.





Maria do Socorro Castro, mestra
Antes de realizar o discurso, Maria do Socorro foi saudada pelo grupo Tambores da Resistência – Comunidade Quilombola da Serra do Evaristo, Baturité/CE. Além da vibrante manifestação dos presentes no evento, entre docentes, discentes, coordenadores, diretores da Unilab e apoiadores das causas aguerridas pela mestre Maria do Socorro.




Grupo Tambores da Resistência 
Muito emocionada, a mestra Maria do Socorro declarou que seu coração pulsava de muito de alegria, diante daquele momento histórico de sua vida, da vida de seu território quilombola e do Estado do Ceará, “porque não da nossa universidade, a começar aqui na Unilab, onde eu tenho os meus colegas“.
Em seguida, a mestra fez seus agradecimentos especiais: “Estou aqui só para agradecer, primeiro a Deus, porque, se não fosse Deus, eu não estaria aqui não. Em seguida, aos nossos ancestrais, aquelas pessoas que deram a vida, que deixaram esses ensinamentos, esses conhecimentos, para que eu pegasse“. Complementou com agradecimentos aos presentes na mesa de abertura e demais participantes que estavam na plateia do auditório.
Sua caminhada para chegar até a conquista do reconhecimento, diante da sociedade, até à Academia foi detalhadamente apresentada a todos presentes, destacando o seu aprendizado junto à sua mãe, quando criança, até o repasse de seus conhecimentos de vivências tradicionais, como exemplo: a lida com plantas medicinais, em paralelo os trabalhos de liderança junto à comunidade e demais lutas necessárias para o desenvolvimento e consolidação da comunidade.
A mestra Maria do Socorro trouxe uma mensagem forte e impactante:
“Esse desafio nunca a gente vai deixar. Nunca vai deixar de sofrer. Os desafios ainda continuam, mas nós devemos ser mais fortes, mais corajosos. Até porque, eu passo para a nossa geração mais nova, é que a gente não desanime diante do que a gente está vendo hoje. O companheirismo, a união, a organização, a luta, a gente tem que ter forçar para continuar. Não vamos se alienar. Nós estamos bem, mas nós vamos lutar por dias melhores”.

Maria do Socorro Castro, Mestre 
Bruno Leonardo (MinC) e Maria do Socorro 
Equipe Unilab e a homenageada 
Bruno Goulart, docente de Antropologia, Maria do Socorro e seu filho, Levi Castro, egresso da Unilab 

Cláudia Carioca, pró-reitora Propae e Maria do Socorro
A atual pró-reitora de Políticas Afirmativas e Estudantis (Propae), Cláudia Carioca, relatou que ficou muito emocionada pelo agradecimento feito pela Mestra Socorro, que é fruto da árdua luta da Reitoria, para que a política do Notório Saber da Unilab fosse implementada da forma adequada e justa. “Para a Propae, a entrega do título é importante porque potencializa as ações propostas pela Coordenação de Direitos Humanos e Ações Afirmativas (CDHAA), coordenada pela professora Geranilde Costa e Silva, no que diz respeito à difusão dos saberes ancestrais”, destacou a professora e ex-vice-reitora da Unilab.