Oralidades em língua portuguesa são mote de relatos na XII Bienal Internacional do Livro do Ceará
O Encontro Oralidades e Escritas em Língua Portuguesa: relatos em língua portuguesa reuniu, nesta quinta-feira (20), na XII Bienal Internacional do Livro do Ceará, pessoas com forte história de vida. Rosalina Semedo (Cabo Verde), Geraldo Amâncio (Brasil), Tony Tcheka (Guiné-Bissau), Carlos Subuhana (Moçambique) e Brígida da Silva (Timor-Leste) compartilharam com o público o lugar afetivo e histórico das oralidades em língua portuguesa em suas trajetórias de vida, sob a mediação do escritor guineense Manuel Casqueiro.
Manuel Casqueiro ressaltou que há várias línguas portuguesas, “cada povo misturou sua língua nativa ao português”. Destacou ainda a importância de encontros como este para atualizar os africanos da diáspora, onde se inclui, sobre o que vem sendo produzido no país. “Infelizmente, pouco chega ao Brasil da literatura de Guiné”, lamentou.
O poeta, violeiro e escritor Geraldo Amâncio, homenageado nesta edição da bienal, contou sobre a história da cantoria, desde os árabes, passando pela Idade Média, ao começo no Brasil, muito ligado a intelectuais. “Incrivelmente, a métrica é a mesma até no Oriente, onde também pesquisei”, disse.
O sociólogo moçambicano e professor da Unilab, Carlos Subuhana, relembrou a infância e adolescência em seu país, em uma sociedade considerada matrilinear, com a figura forte da avó. “Depois de terminar os estudos, minha avó disse que eu já sabia escrever, mas precisava quem nós éramos, então fui para 30 dias de iniciação e lá eram histórias contadas e interpretadas. Depois disso a palavra oral sempre esteve presente na minha vida; tive a formação acadêmica, mas conciliei o mundo local e o ocidental, a oralidade e a escrita”, revela. Ponderou ainda que Moçambique passou por um período refratário à tradição e oralidade, logo após a independência, na década de 1970, mas hoje a tradição teria reencontrado seu lugar, sendo vista como algo importante.
Brígida da Silva, professora, homenageada e medalhada como veterana da libertação do Timor-Leste, fala seis idiomas e considera o português a língua da resistência em seu país. “A língua portuguesa é a língua histórica e afetiva em que se escreveram todos os processos da luta e resistência. Os indonésios não a conheciam, então se um bilhete da resistência caísse nas mãos deles teriam que ir procurar algum timorense para traduzir, e geralmente traduziam errado, dando tempo para que a gente fugisse”, conta. Brígida lembra ainda que o português foi proibido durante a ocupação da Indonésia (1975-1999) e ela precisou esconder os dois livros nessa língua que ainda tinha, herança do pai, assassino em um massacre por tropas indonésias.
A cabo-verdiana e professora da Unilab, Rosalina Semedo, trouxe o conto “Tio lobo e o Xibinho e questionou: “Qual o propósito da oralidade para as crianças? Nós transmitimos valores pela oralidade, uma comunidade inteira se engaja nisso”. Ponderou ainda que Cabo Verde fala duas línguas, o português e o crioulo, esta última se configurando como língua de resistência. “O português é o oficial, mas não é a mais falada. A língua da oralidade é o crioulo. Eu penso na força da oralidade e seus objetivos”, disse.
O escritor guineense Tony Tcheka considera que a partir da oralidade é que se diz a verdade. Veterano das guerras pela independência de seu país, lembrou uma delas, que durou onze meses, e o recurso da comunidade para se “distrair” da realidade era contar histórias. “A oralidade não é um entrave, é uma ponte. São coisas que definem todo um sentimento, uma maneira de estar no mundo”, sublinhou.
Autoridades
O reitor da Unilab, Anastácio Queiroz, a pró-reitora de Extensão, Arte e Cultura, Rafaella Pessoa, e o secretário de Cultura do Estado do Ceará, Fabiano Piúba, saudaram o público no início do evento.
Rafaella Pessoa destacou a satisfação em ter a Unilab como parceira da bienal, lembrando que a parceiria se desenhou em julho do ano passado, durante o I Festival das Culturas da Unilab. Aproveitando a ocasião, a pró-reitora lembrou que os eventos preparativos para a segunda edição do festival tiveram início com a bienal fora da bienal.
O secretário de Cultura concatenou o tema da bienal, “Cada pessoa, um livro; o mundo, a biblioteca” a um conhecido provérbio africano que diz “Quando um homem morre é como se uma biblioteca inteira se incendiasse” e lembrou do debate em que conheceu o estudante da Unilab, Rubilson, durante a Conferência da Juventude. “Rubilson trouxe à tona este provérbio e ele tinha tudo a ver com o tema da bienal, que já estava sendo trabalhado”, disse.
O reitor da Unilab afirmou que a bienal deve se configurar como uma oportunidade para incentivar professores e estudantes a escreverem sobre a história e cultura do Maciço de Baturité, onde a universidade se instala. “É uma região muito rica e tem muito a ser dito sobre. O que não está escrito acaba sendo como se não tivesse existido, é preciso contar essa história”, declarou.