Pesquisador da Unilab recebe prêmio de Antropologia Lélia González
Mestre pela Unilab, Bruno de Castro venceu o 3º Prêmio Lélia González, na categoria melhor dissertação de mestrado, com pesquisa sobre mídias negras
Mestre pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), o jornalista Bruno de Castro venceu o 3º Prêmio Lélia González, da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), na categoria Melhor Dissertação de Mestrado. A pesquisa intitulada “Tudo que nóiz tem é nóiz: um estudo sobre narrativas negras do jornalismo brasileiro” foi desenvolvida entre janeiro de 2021 e dezembro de 2022 no âmbito do Programa Associado de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA-UFC/Unilab), com a orientação da professora doutora Vera Rodrigues.
Cotista, pessoa negra, gay e periférico. Assim se autorrefere Bruno de Castro, o que explica escolhas de objeto de pesquisa, metodológicas e até de postura na academia, como o compromisso em não atrasar a entrega da dissertação. “Desde o começo me propus a fazer uma pesquisa afrorreferenciada, que cita apenas autores e autoras negras. Além disso, tenho outros compromissos com a minha pesquisa, um deles era ser orientado por uma pessoa negra, por uma mulher negra e a professora Vera Rodrigues foi quem fez essa caminhada comigo, foi a pessoa que eu idealizei desde o primeiro momento para que fosse minha orientadora, porque eu achava que seria mais coerente com o projeto de pesquisa se eu tivesse uma pessoa negra ao meu lado, pois, sendo bem pragmático, eu não precisaria explicar o óbvio, o que eu precisaria fazer se eu fosse orientado por uma pessoa branca”, afirmou.
A dissertação se debruça sobre como mídias negras atuaram desde o fim da década de 1970 até os dias de hoje. “Por óbvio, algumas dessas mídias não existem mais, mas eu conversei com 12 comunicadores que atuaram em Fortaleza, no Ceará, na Bahia, em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul e Amazonas, para entender o que levou essas pessoas a participarem dessas mídias, como é que elas desenvolviam o trabalho delas. Elas entraram nesse nicho de mercado por uma questão de realização pessoal, por uma questão ideológica, questão de mercado, enfim, o que que as levou [a participar dessas mídias]?”, comenta o mestre e jornalista. Outras questões que o estudo busca responder são como as mídias negras administravam as demandas que chegavam, a exemplo da luta pela liberdade durante a ditadura civil-militar (1964-1985), e como lida com a luta ainda hoje pela garantia de direitos básicos negados à população negra mesmo no âmbito do Estado Democrático de Direito.
Como toda boa pesquisa, a de Castro se transformou durante o processo, principalmente após ir a campo, e reflete a interdisciplinaridade de sua formação – jornalista realizando um trabalho da Antropologia, que dialoga com Comunicação, Sociologia e Filosofia. “A pesquisa foi se transformando e foi muito bonito perceber essa transformação e ver como ela foi amadurecendo. (…) A minha pesquisa é uma pequena contribuição que eu tento dar para a preservação de memória do povo negro, mas também para que a gente comece a consolidar o campo racial dentro da Comunicação”, ressalta.
Entre retraçar a rota de pesquisa e ganhar um prêmio nacional, houve muito trabalho e dedicação. A orientadora Vera Rodrigues considera que a dissertação reflete o investimento na produção de conhecimento alinhado a uma Antropologia negra e contra-hegemônica. “É como está no título, ‘Tudo que noiz tem é noiz’, o estudo sobre mídias negras é fantástico, Bruno fez um trabalho muito bem-vindo, e eu falo isso não só porque tive a honra de ser a orientadora desse trabalho, mas porque, realmente, ele é daqueles trabalhos que contribuem para o campo científico, que possuem relevância social, algo que eu prezo muito”, sublinhou.
Mito e invisibilização de pessoas negras no Ceará
Torna-se ainda mais relevante um cearense ganhar o Prêmio Lélia González quando se leva em conta o mito ainda corrente de que o Ceará teria tido poucas pessoas escravizadas e, por isso, teria sido o primeiro estado a abolir a escravidão, em 1884, o que Castro busca desconstruir.
“É muito simbólico a gente ter o Ceará ganhando o prêmio Lélia Gonzalez diante dessa realidade de o estado negar historicamente a existência de pessoas negras. É muito simbólico também porque duas dessas mídias negras que eu pesquisei são do Ceará, uma da década de 1990 e uma dos tempos atuais. É muito simbólico a gente ter um estado que nega a existência do povo negro e esse mesmo estado ser premiado por conta de uma dissertação que trata da importância do povo negro no processo de autorrepresentação e de luta pelos próprios direitos”, frisa.
Retorno à academia
Entre a graduação e o início do mestrado, passaram-se treze anos em que Bruno sentia receio em participar das seleções dos programas de pós-graduação e enfrentava a “síndrome do impostor”. Em determinado momento, a vontade de dar este passo foi maior que o medo e hoje o pesquisador realiza um Doutorado em Comunicação. “Eu costumo dizer que o prêmio é um reconhecimento incrível, mas a trajetória é tão incrível quanto. Todos os autores negros com quem tive contato, todos os colegas de turma com quem compartilhei as minhas angústias e os meus escritos, tudo que foi produzido nesses dois anos dentro da Unilab, dentro do programa, foram fundamentais para que o prêmio acontecesse”, afirma.
Prêmio Lélia González
O Prêmio Lélia González emerge da criação em 2019 do Comitê de Antropólogos Negros(as), vinculado à Associação Brasileira de Antropologia. O prêmio, para além de homenagear a potência crítica e criativa da antropóloga Lélia González, também anuncia que essa mesma potência inspira e se faz presente na produção científica de estudantes de graduação e pós-graduação de universidades brasileiras. É uma premiação à memória, ao reconhecimento e ao futuro de intelectuais negras(os).
Antropologia na Unilab
A professora Vera Rodrigues, orientadora de Bruno, destacou o trabalho que vem sendo feito na universidade desde a criação do curso de bacharelado em Antropologia ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia em formato associado com a Universidade Federal do Ceará (UFC). “Agora a gente colhe os frutos desse trabalho, desse investimento, porque, como eu costumo dizer, o potencial humano da Unilab é fantástico, valioso demais. O prêmio que ele recebeu tem um histórico que se alinha muito com a Unilab e com isso estamos dando um recado: sim, fazemos Antropologia no Nordeste, fazemos Antropologia no Ceará”, celebra.
A docente anuncia ainda duas novidades para a Antropologia da Unilab: a criação do nosso programa de pós-graduação em Antropologia de forma autônoma, alinhado à identidade da Unilab, que está em análise na Capes e deve ter início em 2025; e a sua participação na chapa eleita para a gestão da Associação Brasileira de Antropologia 2025-2026.