31 de julho: Dia da Mulher Africana
Professoras, gestoras e estudantes africanas da Unilab refletem sobre essa data, evocando lutas e vitórias.
Instituída em 1962, na Conferência das Mulheres Africanas, realizada na cidade de Dar-Es-Salaam (Tanzânia), a data de 31 de julho demarca o “Dia da Mulher Africana”. Na mesma ocasião, foi criada a Organização Pan-Africana das Mulheres, para fomentar o compartilhamento de experiências e a soma de esforços para a emancipação feminina.
O 31 de julho cumpre papel importante também para a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab), instituição caracterizada pelo “intercâmbio acadêmico e solidário com países membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), especialmente os países africanos” (conforme Lei nº 12.289/2010). Segundo dados extraídos do Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas (Sigaa), atualmente a Unilab possui 378 matrículas de estudantes africanas em atividade, sendo 361 da graduação, 13 dos cursos de especialização e 4 dos cursos de mestrado, além de 3 professoras em atividade, duas docentes lotadas no Ceará (ocupando cargos de gestão) e uma na Bahia.
Na Unilab, no dia 31 de julho do ano de 2017, foi criada a Rede Internacional de Mulheres Africanas (Rima). Por ocasião de seu lançamento, a Rima convidou pessoas de várias nacionalidades para a sua composição, incluindo brasileiras(os), mulheres e homens negros(as), além de buscar o apoio de pró-reitorias e demais projetos correlatos.
Segundo a professora Artemisa Candé Monteiro, atual pró-reitora de Relações Institucionais e Internacionais (Prointer/Unilab) e primeira docente a coordenar e fundar a Rima, a rede foi criada para fortalecer a sororidade entre as mulheres presentes na Unilab. “Entendemos que não podemos ser solidárias apenas quando acontecem violências, discursos misóginos e discriminações”, ressalta. Neste ano, a Rima realiza sua II Conferência, transmitida pelo canal da rede do YouTube sob o tema “Mulheres africanas e a produção do conhecimento endógeno na ciência: um olhar sobre a circulação de saberes em África”.
A Secretaria de Comunicação Institucional (Secom/Unilab) conversou com mulheres africanas que constroem a Unilab: docentes, estudantes e gestoras, oriundas de nacionalidades e etnias diversas, participantes ativas da dinâmica da universidade. Elas falaram sobre questões pessoais e coletivas que envolvem ser mulher, negra e africana, no continente ou em terras estrangeiras.
Artemisa Odila Candé Monteiro é Pró-reitora de Relações Internacionais e Institucionais (Prointer/Unilab). Natural de Guiné-Bissau e “multiétnica”, Artemisa descende das etnias Fula, Mandinga, Pepel e Bijagós.
“As mulheres africanas que vivem em África participaram ativamente do processo de independência, continuaram lutando na política e, hoje, estão lutando pela implementação da lei da paridade no parlamento de praticamente todos os países (…) Eu tenho dito que sou a primeira mulher negra e africana a ser pró-reitora em uma universidade federal do nordeste brasileiro – e a primeira guineense também! Isso diz muito de mim, da Unilab, das mulheres negras, africanas, continentais e diaspóricas! “Mas, ainda, diz muito pouco de mim, e aqui eu preciso fazer uma ressalva: não sou a única mulher africana da Unilab (…) Então, a história e o protagonismo de muitas mulheres africanas e afro-diaspóricas aqui, da Unilab, abriram caminhos e criaram possibilidades (…)”
“(…) Hoje, temos o prazer de ver outras mulheres africanas e negras ocupando cargos nessa gestão. A Unilab representa, para África e para as mulheres africanas, um projeto de sonhos, um lugar onde seus filhos são formados, filhos dos que são desprovidos de poderes econômicos. (…) A Unilab me atraiu através do seu projeto de internacionalização com os países da CPLP e, em particular, com os países africanos. Hoje, estando nesse cargo como pró-reitora, eu me sinto na obrigação de ver e fazer o processo de internacionalização, e fortalecer a Unilab nessa cooperação de perspectiva Sul-Sul.(…) O rótulo colonialista ainda permeia a forma única de contar história, as leituras fáceis e comuns que ainda são feitas de nós enquanto mulheres africanas, da nossa realidade, no nosso ser mulher e da nossa especificidade cultural. ”
Aminata Arcadia Vaz Jaite cursa o 5º semestre do Bacharelado em Humanidades no Campus dos Malês (BA). Ela é natural de Guiné-Bissau, de etnias Sarakule e Pepel.
“O meu sonho hoje é grande, é grande demais, porque a gente sonha alto… O maior é ter uma formação acadêmica e voltar pro meu país para construir uma base de apoio, principalmente pras meninas, com acesso à educação. Porque eu acho que é muito importante as mulheres estudarem e formarem, e terem a sua própria independência, e ter o seu próprio negócio (…) O empoderamento feminino aqui é muito importante! A luta das mulheres é muito ampla… Antes de nós, já tinha pessoas que estavam lutando.”
“Nessa luta, a gente só tá continuando, para que a outra geração também continue. A dificuldade maior (aqui no Brasil) é contra a dificuldade que criaram sobre o corpo da mulher africana… A gente é vista como um corpo sexual. Mas o Brasil é um país complicado… Os negros brasileiros tem uma visão do continente africano de inferiorização, submissão (…)”
Rutte Faizah (Rutte Tavares Cardoso Andrade) é professora do Instituto de Humanidades e Letras do Campus dos Malês (BA) desde 2018. Cabo-verdiana, natural da Ilha de Santiago.
“(…) Mulheres africanas no continente, assim como mulheres pretas no Brasil, temos origens, condições e objetivos comuns. Vivendo dentro desse contexto estruturalmente racista, hétero cis patriarcal em sua política de esmagamento e silenciamento de corpos e vozes pretos (femininas, em especial), temos esse desafio de diariamente definir nossas estratégias para garantir nossa integridade (física, espiritual, intelectual). É de extrema importância considerar que (nós) mulheres africanas do continente que moram no Brasil, para além do fenômeno do racismo, enfrentamos a xenofobia. (…) Uma das pautas urgentes das africanas do continente é o enfrentamento à neocolonização, não só europeia como asiática. Há mais de cinco séculos nós fomos afastados dos nossos próprios termos: a colonização européia nos faz, portanto, enxergar os fenômenos a partir da matriz civilizatória europeia(…)
“Temos cerca de 60% das atividades econômicas agrícolas do continente exercidas por mulheres (…) trabalhos que nunca foram reconhecidos, valorizados. Pós-colonização, as mulheres continuam trabalhando nessas situações de extrema vulnerabilidade, o que condiciona o acesso a uma série de direitos fundamentais, como: segurança, moradia, educação de qualidade, emprego, participação nas políticas (…), o direito à construção da nossa própria espiritualidade como desafio fundamental, o direito à segurança alimentar e à soberania nutricional (…). Esse período pandêmico veio, mais ainda, agravar o acesso à segurança alimentar. São vários desafios, mas as nossas prioridades são essas: construção da nossa base epistemológica, a nossa filosofia proativa afrocêntrica, fundamental para restaurar nossa soberania e consolidar o nacionalismo negro!”
Daiana Fernando Mbundé é graduada em Ciências Sociais pela Unilab (CE) e mestranda em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Natural de Guiné-Bissau e de etnia Balanta.
“A nossa principal bandeira de luta é aquela que procuramos desde a emancipação dos nossos países contra a colonização: a bandeira da liberdade, da equidade entre homens e mulheres em diferentes esferas sociais. Ser mulher africana é desafiador e, ao mesmo tempo, encorajador: é uma luta de afirmação de identidade, é ser empoderada, empreendedora, mãe e também guerreira”. Ao ser questionada sobre a importância de vincular a mulher africana ao debate científico, Daiana afirma:
“essa pergunta me faz refletir sobre ‘O lugar de fala’, da Djamilla Ribeiro: se não falarmos por nós, quem falaria? A ciência iria continuar com pensamentos e olhares eurocêntricos! Por isso, devemos promover debates sobre saberes endógenos e a produção das mulheres africanas no campo científico, cultural e na atuação profissional”, conclui.
Rosalina Semedo de Andrade Tavares é professora lotada no Instituto de Ciências Sociais e Aplicadas (ICSA – Unilab/CE) e pró-reitora de Administração (Proad/Unilab). Natural de Cabo Verde.
“Pode ficar difícil responder pelas mulheres do continente africano, devido às particularidades de cada um dos 54 países, mas me arrisco a dizer que uma das principais pautas é a luta contra o machismo, o eurocentrismo e promover a Renascença Africana em todos os domínios. A participação das mulheres na política e o acesso aos direitos básicos como educação e saúde são igualmente relevantes na atual conjuntura. (…) Aqui (no Brasil) o trabalho se torna mais árduo, pois temos o racismo, a xenofobia, sempre velados, que atravessam as nossas vidas quotidianamente e nos atingem profundamente. (…) Ser uma mulher, negra, africana, no cargo de pró-reitora de Administração significa reconhecer a luta das que nos antecederam pois, graças a elas, hoje estamos aqui ocupando nossos lugares, protagonizando a nossa história.”
” (…)Traz como responsabilidade o dever de encorajar mulheres negras a assumirem a gestão, a liderança e contrapor os estereótipos de mulheres negras subservientes, destituídas de intelectualidade, historicamente construídas e propagadas pelas instituições racistas.(…) A Unilab representa, em África, para as mulheres africanas, a possibilidade de continuar o legado de protagonismo social e político milenar das mulheres africanas do continente; fortalecer a luta e resistência secular das mulheres negras no Brasil; somar e fortalecer o movimento político epistemológico das mulheres negras e indígenas face ao machismo, racismo institucional somado à xenofobia. E a oportunidade de estar na Unilab, fazer parte desse projeto, ímpar e desafiador, que tem me oportunizado aprendizado a partir de uma diversidade cultural riquíssima que reúne em uma mesma sala de aula sete nacionalidades, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor Leste me ajudam a ter o aporte necessário para continuar o legado e protagonismo das minhas ancestrais, mulheres negras.”
Sábado Fernando Imbunde cursa o 8º semestre em Pedagogia no Campus dos Malês (BA). Ela é guineense de etnia Balanta, e uma das organizadoras do grupo “Irmandade Malês”, que promove ações para garantir mantimentos para estudantes da Unilab e demais pessoas africanas moradoras da cidade de São Francisco do Conde em situação de insegurança alimentar.
Ser mulher africana dentro da Unilab: acho que depende de cada uma (…). É cada dia aprender mais sobre as suas raízes. Quando estávamos na África, nos nossos países, não tínhamos esse cuidado de atentarmos sobre as nossas histórias e construção social a respeito da gente. Depois de ingressar na Unilab, começamos a ter aquela vontade de aprender mais, buscar saber mais sobre nós, tendo em conta que estamos longe dos nossos lugares, nossos países, nossas famílias, nossas realidades… Falando da Unilab e da comunidade, no caso, São Francisco do Conde: a universidade talvez esteja um pouco mais preparada para a proposta de receber estrangeiros (principalmente nós, mulheres africanas), mas a cidade não. O que nos demonstra isso é a relação com a cidade em questão de assédio, de olhares estereotipados… Chegando aqui, temos aquele conflito em relação às meninas brasileiras: elas têm suas visões de ser mulher, e nós, africanas, também. “
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