Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira
Universidade Brasileira alinhada à integração com os países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)

Campus dos Malês da Unilab completa 9 anos nesta sexta-feira (12/05)

Data de publicação  12/05/2023, 08:46
Postagem Atualizada há 11 meses
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O campus dos Malês da Universidade Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), localizado em São Francisco do Conde (BA), completa nesta sexta-feira (12/05) 9 anos de existência. Por meio do ensino, da pesquisa e da extensão, traz uma trajetória de impactos de transformação, sobretudo no território baiano e nos países parceiros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Desde 2014, quando iniciaram-se as atividades presenciais no campus dos Malês, já graduaram-se 465 estudantes brasileiros e 565 internacionais, totalizando 1030 formados, distribuídos em seis cursos de graduação. Atualmente, o campus da Unilab na Bahia apresenta com matrícula ativa 723 estudantes brasileiros e 363 internacionais. 

Estudantes brasileiros e internacionais do campus dos Malês

Brasil-Guiné-Bissau
Entre discentes graduados está a egressa guineense Naetrem Sanca, que fez parte da história do campus dos Malês desde o início, com ingresso no curso de Humanidades em 2014. Ela graduou-se em Relações Internacionais e completou seu ciclo na Unilab em 2019. Sanca atualmente tem atuado em instituições públicas de ensino superior em Guiné-Bissau e criou o Centro de Estudos e Pesquisas sobre Mulher e Gênero em Guiné-Bissau, a partir de uma lacuna de debates e estudos sobre gênero e violência contra as mulheres no seu país.

“O Centro tem como objetivo a disseminação de conhecimento sobre a problemática de gênero em Guiné-Bissau e a formação de pessoas. Nosso principal objetivo é produção de conhecimento e também formação de pessoas”, explica Sanca. O debate sobre a questão de gênero e das mulheres esteve presente desde a trajetória da egressa na Unilab, onde formou o Coletivo de Mulheres Africanas do campus dos Malês, com a proposta, segundo conta, de mudar narrativas como a de que mulheres africanas são submissas.  

Coletivo de Mulheres Africanas do campus dos Malês

“O grupo também se tornou um espaço de terapia, de fortalecimento, de cada um de nós, ouvíamos umas as outras, falamos das nossas dores”, aponta. O grupo era formado por discentes de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Moçambique e São Tomé e Príncipe. “ O Coletivo também se tornou um espaço de apoio, de debate, de leitura, porque selecionávamos textos, para acompanhar o que as mulheres do continente [africano] estavam a fazer. Estávamos fora, mas acompanhamos a agenda do continente”, relata.

Coletivo de Mulheres Africanas do campus dos Malês

No campo de pesquisas, Sanca estudou sobre o preconceito em relação aos ciganos em Santo Amaro/BA e pesquisou, ainda, a situação da mulher na diplomacia – uma comparação entre Guiné- Bissau e Cabo Verde -, com estudo sobre as dificuldades, o acesso e a permanência de mulheres nesse espaço de poder, predominado pelos homens. Para além da sua formação acadêmica, a egressa guineense também aponta a importância da Unilab/ campus dos Malês para construção de sua identidade. “Se hoje tenho uma mente crítica, mais desperta, é graças à Unilab. Nunca tinha tido contato com tipos de debates e conhecimentos africanos. Tive que sair de Guiné pra chegar até a Unilab, pra construir minha identidade realmente”, afirma. 

Interiorização do Ensino Superior
Quem também fez parte da história dos 9 anos do campus dos Malês e leva a semente da Unilab para outros espaços é a egressa do curso de Pedagogia Luciana dos Santos Jorge. Diferente de muitos jovens franciscanos – que deixam o município de origem para estudar em cidades de maior porte -, ela encontrou, no campus dos Malês, a oportunidade de formação universitária na sua cidade natal, São Francisco do Conde. “A Unilab veio para fortalecer o ensino da cidade. Tem jovens que já saem do ensino médio para a Unilab; o ensino superior já está mais perto da gente. Vejo a Unilab como algo que vem enriquecer São Francisco do Conde”, diz a egressa, que atualmente realiza pós-graduação (especialização) na área de Gestão Escolar. 

Dos 9 anos do campus dos Malês, Luciana Jorge esteve presente em 5 deles, com ingresso em 2018 no Bacharelado em Humanidades e formação, nas terminalidades, em Pedagogia. “O grande diferencial da Unilab, em especial do curso de Pedagogia, é esse: formar gente como profissionais e pra vida, pra realidade, pro chão da escola. Já saí da Unilab com muita vivência”, relata. Ainda sobre a formação, destaca: “ela transforma realidade e incentiva a gente, enquanto profissionais, a transformar a realidade de nossos educandos e educandas”, afirma. 

Luciana Jorge também salienta que, na sua formação no campus dos Malês, sempre estiveram presentes discussões e diálogos sobre relações étnico-raciais – questões que impactaram no seu desenvolvimento pessoal e na sua atuação profissional. “Na Unilab, a gente fortalece nossa identidade a partir do momento que a gente consegue se ver, se redescobrir, desconstruir estereótipos socialmente construídos, e a gente passa a questionar algumas coisas, sobre a gente, sobre os nossos, especificamente a população negra, e a gente vai se fortalecendo nesse processo de formação”, destaca.  Nesse sentido, Luciana também aponta que nesse processo são questionados saberes – e novos são criados -, o que vai refletir na atuação dos unilabianos nos seus respectivos campos de atuação. “A missão da gente que estudou na Unilab, embora seja doloroso sair da universidade, é levar essa sementinha da Unilab para outros espaços”, aponta.

Ciclo de 9 anos

Sala de aula no campus dos Malês

No ciclo de 9 anos do campus dos Malês, os cursos de graduação tiveram avaliações do Ministério da Educação e obtiveram como conceitos de curso notas 5 (nota máxima) – Ciências Sociais, Humanidades, Pedagogia, História – e nota 4 – Letras- Língua Portuguesa e Relações Internacionais. O impacto dessa qualidade do ensino está presente nos territórios onde os estudantes e egressos atuam, semeando conhecimentos, saberes e visão crítica sobre realidades diversas. Um ciclo de nove anos que teve muitos desafios e segue com outros nos próximos ciclos vindouros.

“Quero realmente agradecer a presença da Unilab na Bahia através do campus dos Malês, parabenizar todos que lutaram pra chegar até aí. Também quero parabenizar os estudantes, que têm se engajado para continuar fazendo progresso. São 9 anos anos e sei que ainda tem muita coisa pela frente, muitas lutas a serem travadas, mas creio que estão acontecendo avanços e acontecerão outros nos próximos três anos, que serão melhor para a Educação e para o campus dos Malês, envolvendo professores, taes e todos os cooperadores, junto com os discentes”, aponta o reitor da Unilab, Roque Albuquerque.

Para a diretora do campus dos Malês, Mírian Reis, ao longo dos últimos 9 anos a presença da Unilab em São Francisco do Conde promoveu um conjunto de ações de desenvolvimento regional, tanto do ponto de vista econômico – com a injeção de recursos em áreas como comércio, serviços, aluguéis – e, principalmente, com a produção de conhecimento científico através do ensino, da pesquisa e da extensão.

“Pensar o território, sua sociodiversidade, suas tecnologias sociais e culturais tem sido prática manifesta nos mais de 200 projetos executados até o momento. Os impactos dessas ações extrapolam fronteiras e promovem reflexões relevantes para o Recôncavo Baiano, o estado da Bahia, o Brasil, mas também para Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, cumprindo, assim, a missão institucional de solidariedade e cooperação entre os povos prevista no Estatuto da Unilab”, aponta Reis. Ainda segundo a diretora “os projetos de pesquisa e extensão entregam à sociedade conhecimento científico produzido a partir da confluência dos saberes tradicionais e científicos, tornando  o campus dos Malês um importante centro de referência em educação antirracista, decolonial e de excelência”, afirma.

Pesquisas

Biblioteca do campus dos Malês

No ciclo de 9 anos do campus dos Malês foram realizadas, no total, 227 pesquisas em campos diversos do conhecimento. Atualmente estão vigentes 35 projetos de pesquisa. Esse período também foi marcado pela criação de grupos que visam atuar no tripé ensino, pesquisa e extensão, a exemplo do Núcleo de Línguas e Linguagens do campus dos Malês (NuLiM) e Núcleo de Estudos Africanos, Afro-Brasileiros e Indígenas (NEAABI), cuja primeira coordenação do Núcleo teve como sede o campus dos Malês.  Outro grupo, criado recentemente, em 2022, é o Centro de Estudos Africana (CEA), um órgão suplementar da Reitoria.

Docentes, discentes e convidados do 1º Seminário do Centro de Estudos Africana, realizado em abril de 2023

“Ele tem como objetivo promover ensino, pesquisa e extensão, a partir de proposições de sistema cultural africano, negro diaspórico, e também pensar a matriz civilizatória dos povos originários”, explica Rutte Tavares Andrade, coordenadora geral interina do CEA e docente do campus dos Malês. Ela explica, ainda, que o CEA é uma reivindicação de um grupo de docentes africanos e negros, do campus dos Malês, que chegam com uma preocupação importante não só em torno das narrativas epistemológicas, como também de políticas, considerando as especificidades da comunidade de pessoas negras, africanas do continente e indígenas.

Pesquisadores do CEA têm realizado linhas de pesquisa relacionadas a áreas como Educação, Literatura, História e Filosofia afro-centrada, baseadas em epistemologias afrocêntricas, africanas – do continente e da diáspora. São pesquisas que, segundo aponta Andrade, refletem sobre “processos históricos a partir dos quais narrativas epistêmicas, por exemplo, estão sendo pensadas, construídas e desconstruídas exatamente com o compromisso de confrontar o fenômeno do racismo e apontar outras perspectivas, narrativas e possibilidades políticas que garantam não só dignidade, mas que restituam o poder aos grupos historicamente excluídos”, afirma.

Paradigma africano
Entre os pesquisadores do Centro de Estudos Africana (CEA) está o professor congolês, do Instituto de Humanidades e Letras do campus dos Malês, Bas´llele Malomalo, que chegou à Unilab em 2012, e está no campus baiano desde 2016. Ele explica que concentra sua produção de conhecimento do ponto de vista do paradigma africano. “Isso significa que existe uma literatura científica que chamamos de Humanidades clássicas africanas. Tem toda uma literatura, metodologia de conhecimento. Isso é o que estou tentando trazer ultimamente na Unilab, que vai se desenvolver em uma linha de epistemologia ligada à filosofia do Ubuntu, que estou chamando ultimamente de Ntu, que significa energia, força vital”, explica Malomalo. 

Mesa de abertura do 1º Seminário do Centro de Estudos Africana, realizado em abril de 2023

O docente tem realizado estudos na linha do novo constitucionalismo democrático – a partir do debate, na América do Sul, sobre o chamado “bem viver” – , pensando a contribuição da África em relação ao debate do direito da natureza e ecológico, no contexto do desenvolvimento sustentável. Ele traz três categorias de comunidades – sagrado-ancestral, universo-natureza e bantu -, que são merecedoras da dignidade, do reconhecimento e do respeito. “Quando pegamos textos científicos e filosóficos africanos, o que nos leva a acionar essa dignidade, tem a ver com nossa origem comum”, explica. Ele aponta que todas as coisas que existem- como os seres humanos, a terra, a água, o ar, a via láctea – provêm de uma energia primordial, esse ponto comum, que é divino. “Isso não é só filosófico, tem um diálogo muito comum na astrofísica moderna, porque estamos falando da origem do universo, o que o Big Bang fala, e o que os nosso ancestrais perceberam, que na origem de tudo diziam que havia águas, mas de fato queriam falar que na origem de tudo havia energias, que irão se expandir pra formar tudo o que existe”, explica.

Nesse ciclo na Unilab, Bas´llele Malomalo também tem realizado pesquisas sobre matriarcado africano e, ainda, segurança alimentar e nutricional – com comparativo entre produção em uma comunidade do Senegal e um quilombo em Valença, cuja práticas desse espaço se dá a partir de uma filosofia africana de capoeira de Angola. Sobre as pesquisas no campus dos Malês, o docente salienta a importância do paradigma africano para a condição da filosofia educacional na Unilab. “Na Unilab/campus dos Malês há uma uma preocupação de colocar questões africanas, primeiro para atender à missão institucional e, também, para atender à demanda dos estudantes”, aponta.

Extensão


Na área da extensão, o campus dos Malês, no ciclo de 9 anos de existência, desenvolveu 167 projetos de extensão e, em 2023, está com 25 projetos vigentes. São iniciativas que abarcam áreas diversas como Letras, Linguística, Ciências Sociais, Relações Internacionais, Saúde, História, Sociologia, Pedagogia, entre outras.

Muitos projetos de extensão têm atuado, ainda, no campo cultural. Nessa área, o técnico-administrativo em educação Márcio Valverde, que também é compositor e músico, é apoiador de diversas iniciativas. Ele inclusive esteve por um período na coordenação do projeto de extensão Botafala: hip hop, reconhecimento e educação democrática, idealizado pelo docente Marcos Lopes. Para Valverde, que está na Unilab desde 2014, nesse ciclo de nove anos, o campus dos Malês se transformou em um espaço que denomina “caleidoscópio cultural”.


“Existe uma diversidade nas pessoas que vêm ao campus dos Malês, nesses indivíduos, e no que eles trazem consigo de coletivo, da cultura dos seus países. Por exemplo, você tem a zumba, as danças, a forma de se reunirem, de cantarem, tem um pouco de cultura do islã, alunos islamizados que vêm pra cá. É uma diversidade não só de cultura mas também religiosa, de etnias e linguística”, destaca. Essa diversidade apontada por Valverde reflete-se também nos projetos de extensão, que trazem uma pluralidade cultural e de saberes. “A cultura é muito orgânica na vida de todo mundo. De alguma maneira, se ninguém não provoca, ela termina aflorando de alguma forma. Nesses nove anos que estou na Unilab, no campus dos Malês, isso de alguma forma aconteceu, principalmente através do Festival das Culturas”, aponta. Esse Festival teve apoio, na organização, de taes como o próprio Márcio Valverde e Reinaldo Aguiar.

Além dos muros da universidade
No ciclo de 9 anos do campus dos Malês, os projetos de extensão também têm dialogado com comunidades e saberes plurais, em territórios diversos. Um desses projetos é o Cursinho Popular da Rede Emancipa Malês, que visa à democratização do acesso ao ensino superior, com aulas gratuitas preparatórias para o Enem e o Processo Seletivo de Estudantes Internacionais. O projeto também propõe ação de visitas do estudantes do ensino médio da região ao campus dos Malês.

“Quando a universidade extrapola os muros, os saberes aqui podem ser partilhados e construídos junto com as comunidades, em função das demandas locais. Acho que isso enriquece, fica via de mão dupla. Não é só a universidade levando, mas ouvindo qual a demanda local, pra também construir saber junto. E acho que o Cursinho Popular tem conseguido isso”, afirma Sabrina Balsalobre, docente do curso de Língua Portuguesa do campus dos Malês e coordenadora do projeto.

Visita do projeto Rede Malês Emancipa nas escolas públicas da região do Recôncavo Baiano

A Rede Emancipa Malês também tem levado informação, por meio de visitas a escolas e comunidades rurais e quilombolas – sobre a Unilab/campus dos Malês e seus cursos, inscrições para o cursinho popular e o Enem – inclusive esclarecimentos sobre isenção de taxas para grupos específicos. O intuito é facilitar o acesso ao ensino superior e divulgar a Unilab, sobretudo para o público de estudantes da rede pública, de pessoas que não conseguiram prestar o Enem e representantes de comunidades quilombolas da região, onde localiza-se o campus dos Malês.

Visita de estudantes do Ensino Médio ao campus dos Malês na ação Unilab de portas abertas, realizada pelo projeto Rede Emancipa Malês

“Nosso desafio é ver a comunidade entrar aqui na Unilab, dentro de nossos muros e se sentir parte disso. Isso é o que está pra ser feito. Não acho que conseguiu, mas está no bom caminho, dessa preocupação de que a Unilab tem que ser abraçada pelo território. E, pra ser abraçada, acolhida, as pessoas têm que vir pra cá, entender o que a gente faz, entender que os saberes daqui não são só entre os pares, que a gente pode trocar e aprender junto”, aponta a docente.

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