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Mulheres negras em movimentos é tema de diálogo no “As pretas na Unilab”, evento que segue até esta sexta-feira (23)

Data de publicação  22/07/2021, 18:12
Postagem Atualizada há 3 anos
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A importância da realização do “As pretas na Unilab”, sobretudo no contexto político atual no Brasil, foi destacada nessa quinta-feira (22), durante a abertura do evento, realizado em celebração ao Dia Internacional da Mulher Afro-latino-americana e caribenha (25 de julho) e ao dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. A iniciativa “As pretas na Unilab” está sendo transmitida pelo canal do YouTube “Sobre o Corpo Feminino” e, este ano, traz como tema “Mulheres Negras em Movimentos”. O evento segue até esta sexta-feira (23/7), com diálogos sobre a memória e a presença de mulheres negras em espaços públicos e privados – em suas casas, bairros, cidades, universidades, escolas; nas estruturas da política pública institucional, em plurais territórios de manutenção da vida e de agência política.

Para a professora Eliane Costa Santos, vice-coordenadora do Núcleo dos Estudos Africanos e Afro-brasileiros (NEAAB) da Unilab, que participou da abertura do evento, é de extrema importância esse momento em que mulheres negras da Unilab se organizam e apontam espaços de luta e também de soluções para esse país e para essa sociedade racista e patriarcal. “Nós mulheres negras temos soluções para apontar, sim. Temos como saída políticas públicas para a população negra, temos como saída mulheres no poder, uma educação pública de qualidade, com institutos federais, em específico a nossa universidade, a Unilab, onde ingressa e permanece a população negra, quilombolas e indígenas”, aponta.

Homenagem à professora Matilde Ribeiro

A quinta edição do “As pretas na Unilab” também celebra e homenageia a professora Matilde Ribeiro, assistente social, militante política e gestora que, atualmente, está vinculada ao Instituto de Humanidades e Letras (IHL) e ao colegiado de Pedagogia da Unilab. A docente, que este ano recebeu o título de Doutora Honoris Causa pela UFABC, também participou do primeiro dia da programação do evento, em conferência que trouxe abordagem sobre “mulheres negras em movimento, criações individuais e coletivas por vidas, por dignidade e direitos”.

A professora Matilde Ribeiro rememorou uma história que, segundo relata, é pouco conhecida no Brasil, de uma mulher negra chamada Maria do Carmo Jerônimo, nascida em Carmo de Minas (MG), em 1871, e que faleceu em Itajubá, onde morou nos anos finais de sua vida, aos 129 anos, em 2000. A docente conta que ela não nasceu em liberdade e viveu 17 anos na condição de escrava. Além da longevidade, uma curiosidade na trajetória de Maria do Carmo é que foi vetado, na câmara de Itajubá, um projeto que lhe concederia o título de cidadã itajubense. Segundo avaliação dos vereadores, como relata a docente, “não havia o porquê de conceder um título a uma ex-escrava. Quem ela era? Tinha escrito algum livro? Era alguma personalidade? A cidade a conhecia? Não, nada disso. Maria do Carmo era uma empregada doméstica e começou a trabalhar na última casa onde ela faleceu, como empregada doméstica, com 75 anos”, relata.

Um mês após o veto, a câmara municipal de São Paulo concedeu a ela o título de cidadã paulistana, em 1994, evento que foi marco político. Segundo a professora Matilde Ribeiro, que conheceu Maria do Carmo, “a forma como ela demonstrou perceber a vida revelou a mim o peso da ideologia dominante, dos dominadores sobre os oprimidos, que mantêm a maioria da população negra brasileira sem consciência dos efeitos da desigualdade e da exclusão”, aponta. Ainda segundo a docente, “como mais um ato de desagravo, deveríamos dizer bem alto, somos todas Maria do Carmo! Nota-se como a construção da identidade positiva implica em atitudes individuais e coletivas. Maria do Carmo não possuía uma narrativa de defesa das adversidades e crueldades da vida moldada pelo racismo e sexismo. Daí a necessidade do levante coletivo, daí a necessidade do Julho das Pretas e de toda e qualquer ação contestatória”, afirma.

Nesse sentido, a docente enumera alguns questionamentos a partir desse contexto: “quem é essa mulher negra que historicamente compôs a vida como figura anônima, carregando fardos da opressão de gênero, raça e classe? Quais são as estratégias para garantir as criatividades e manter-se determinada pela vida? Quem é essa mulher negra que se organiza e, nos últimos anos, desponta como setor emergente no movimento social brasileiro? Quem são essas mulheres negras? Quem somos nós nessa sociedade?”. Nesse contexto, Ribeiro aponta que os aspectos gênero, raça e classe social são estruturantes da sociedade, tanto das desigualdades quanto das possibilidades de superações. “A luta pela liberdade é histórica, assim como é histórica também a opressão”, salienta.

Mito da não violência e da democracia racial

A professora Matilde Ribeiro aborda também o mito da não violência, apontado pela filósofa Marilene Chauí, traduzido na imagem de um povo generoso, alegre, solidário, que desconhece racismo, machismo e homofobia. “O mito persegue, historicamente, no imaginário social e, com isso, as relações se deterioram e se desenvolvem a partir de bases falsas”, destaca a docente.

Ela explica, ainda, que esse mito é primo do chamado “mito da democracia racial”, que nega a negritude. “O racismo é vivíssimo na sociedade, mesmo após 133 anos da abolição da escravidão. A abolição aboliu, mas não incluiu, não libertou”, afirma. Nesse sentido, aponta a docente, as mulheres vivem nesse contexto não só de racismo, como de sexismo e desigualdades de gênero, sendo educadas para cuidar e viver no mundo privado. Outro elemento trazido por Ribeiro nesse contexto é o da LGTB fobia, que também traz sua carga de opressão e violências.

Mulheres negras no período contemporâneo

Diante desse contexto de opressão, Ribeiro também traz um recorte dos passos e das trajetórias de diversas ações, nos últimos 33 anos de organização, em busca da superação das desigualdades. Foram diversos encontros, estudos, diálogos, debates, além de políticas públicas e proposições que dialogam com a questão das mulheres negras. Um exemplo foi o primeiro encontro de mulheres negras que aconteceu em Valença (RJ), com centenas de mulheres de diferente estados e organizações do Brasil. “A partir daí intensifica-se a organização das mulheres negras, surgem muitas ongs, muitos processos estratégicos, outros encontros, seminários nacionais e a luta das mulheres negras, com uma cara contemporânea contra essas opressões, explorações e subjugações”, relata Ribeiro.

Ela destaca também a semente de onde surgiu a movimentação do dia 25 de julho, que foi por meio do primeiro encontro de mulheres negras, latinas e caribenhas, realizado em Santo Domingo, na República Dominicana, em 1992, quando foram discutidos temas como machismo, racismo e as formas de combatê-los. Ribeiro sublinha ainda que, nos últimos anos, houve também ações estratégicas importante no campo das políticas públicas, a exemplo da criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e da Secretaria de Políticas para as Mulheres. Ela também destaca os vários estudos e as reflexões diversas acerca desses temas na academia, espaço onde nasce a Associação de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN) e também a Unilab – e seus grupos de estudos, núcleos e pesquisas que versam sobre essas temáticas.

Confira a programação do segundo dia do evento:

23 de julho | 15h às 17h30

15h às 17h30 | “Vozes-Mulheres”: pactos de vida na África Global 
Banuma Alberto Caetano Pinto: “O Cultivo do Mito na construção do gênero”
Exibição do filme “O corpo público” (Banuma/15 min)
Lídia Rodrigues: “Escrevivência: a narrativa de si e a invenção do futuro com liberdade”
Dinha – Maria Nilda de Carvalho Mota: “O poema e o caos” 
Mediação: Profa. Dra. Luana Antunes Costa (ILL/Unilab)

O evento desta sexta-feira (23) segue sendo transmitido pelo canal do YouTube “Sobre o Corpo Feminino”. A iniciativa “As pretas na Unilab” é organizada pelo grupo “Sobre o Corpo Feminino – Literaturas africanas e afro-brasileiras”, vinculado à Pró-Reitoria de Extensão, Arte e Cultura (Proex/Unilab) e à Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação (PROPPG/Unilab), sob coordenação da professora Luana Antunes Costa (Instituto de Linguagens e Literaturas – ILL).

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